sábado, 9 de fevereiro de 2013

O que é a Quaresma?


Nós cristãos celebramos todo ano a festa da Páscoa: a morte e a ressurreição de Jesus e tamém a nossa. É a maior de todas as festas. A mais importante... Grande demais para ser preparada em apenas três dias ou uma semana. Por isso, estendemos a sua preparação para quarenta dias. Daí Quaresma, período de quarenta dias, que vai da quarta-feira de cinzas até a quinta-feira santa pela manhã.
Os textos litúrgicos que rezamos durante o tempo da Quaresma são belíssimos e nos conduzem ao verdadeiro espírito deste “tempo favorável”.  Poderia citar muitos mas o espaço do artigo não me permite.  Cito portanto apenas o Prefácio da Quaresma V (Missal Romano, pág. 418) como síntese de toda esta riqueza:
“Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação louvar-vos, Pai santo, rico em misericórdia, e bendizer vosso nome, enquanto caminhamos para a Páscoa, seguindo as pegadas de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, mestre e modelo da humanidade, reconciliada e pacificada no amor.
Vós reabris para a Igreja, durante a  Quaresma, a estrada do Êxodo, para que ela, aos pés da montanha sagrada, humildemente toma consciência de sua vocação de povo da aliança. E, celebrando vossos louvores, escute vossa Palavra e experimente os vossos prodígios.
Por isso, olhando com alegria esses sinais de salvação, unidos aos anjos e aos santos, entoamos o vosso louvor, cantando a uma só voz:”
Podemos encontrar neste Prefácio todos os elementos que caracterizam não só a liturgia deste Tempo, mas especialmente a sua teologia, a sua espiritualidade e a sua pastoral.  Voltamo-nos para Deus, “Pai Santo, rico em misericórdia”; relembramos a grande experiência do Êxodo, da Aliança, da libertação e da nova terra; assumimos nossa atitude de povo peregrino, ouvintes da Palavra, povo amado e escolhido por Deus; nosso modelo é Cristo, cuja morte e ressurreição celebramos de forma mais intensa neste tempo.  Enfim, a Quaresma é um “sinal de salvação” ou, numa expressão usada num artigo de Dom Manoel João Francisco, “sacramento anual de reconciliação”.
É indispensável que recuperamos também a Quaresma como o tempo ideal de fazer a preparação final dos catecúmenos que serão batizados, confirmados e receberão a Eucaristia na Vigília Pascal. O Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (RICA) lembra que  “o tempo da purificação e iluminação dos catecúmenos é normalmente a Quaresma. De fato, na liturgia e na catequese, pela comemoração ou preparação do Batismo e pela penitência, a Quaresma renova a comunidade dos fiéis juntamente com os catecúmenos e os dispõe para a celebração do mistério pascal, ao qual os sacramentos de iniciação associam cada um” (Introdução do RICA, n. 21).

2.    Simbolos, ritos, gestos quaresmais

São vários os símbolos, as atitudes e iniciativas humanas e religiosas que acompanham e enriquecem o tempo da Quaresma, no qual, como em toda preparação, já saboreamos de certa maneira a festa da Páscoa que virá. Por exemplo:
  • A cor roxa, as cinzas e a cruz lembram o caráter de penitência e conversão próprio deste tempo. Isto se manifesta também no visual do espaço celebrativo, sóbrio, despojado.
  • O jejum nos orienta a dar mais atenção à Palavra de Deus. A fome que sentimos (quando fazemos jejum) pode simbolizar e evocar a fome que temos da Palavra de Deus. É tempo forte, portanto,  de escuta da Palavra, pois através dela vamos conhecer os desejos de Deus e praticar a sua vontade.
  • Ajudados pela Campanha da Fraternidade, intensificamos a prática da caridade, procurando corrigir e aperfeiçoar, à luz da Palavra de Deus, nosso jeito como tratamos as pessoas e com elas nos relacionamos, sobretudo os mais pobres e sofredores, e como procuramos ajudá-los a viver com dignidade.  Nesta ano de 2010, temos uma motivação ainda maior por ser uma Campanha da Fraternidade Ecumênica.
  • Nesse tempo forte da vida da Igreja intensificamos nossa vida de oração, na forma de súplicas, pedidos de perdão, intercessão, agradecimento, compromissos de fé, melhor participação na comunidade etc. É um tempo próprio para, nas comunidades, a gente participar de alguma celebração penitencial (individual ou comunitária). Sobre estas três atitudes – jejum, esmola e oração – os Santos Padres fazem muitas referências. Recordemos algumas: “O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente” (São Pedro Crisólogo). “Não tem mérito nenhum negar alimento ao corpo se no coração não se renuncia à injustiça e se a língua não se abstém da calúnia” (São Leão Magno). “A esmola só será autêntica se à ajuda material estiver unido o perdão das ofensas” (Santo Agostinho).
  • Podemos expressar nossa vontade de participar da caminhada sofrida de Jesus (vítima da violência, de ontem e de hoje), participando de procissões (de ramos, do encontro, do Senhor morto etc.), Via-Sacras, círculos bíblicos etc.
  • Expressamos o “clima” próprio deste tempo forte da vida da Igreja também através da música e do canto. Há uma música própria e cantos que caracterizam este tempo, além do hino da CF . O Hinário 2 da CNBB apresenta também um bom repertório de músicas litúrgicas quaresmais. Na introdução do Hinário 2 lemos:  “Cantar a Quaresma é, antes de tudo, cantar a dor que se sente pelo pecado do mundo, que, em todos os tempos e de tantas maneiras, crucifica os filhos de Deus e prolonga, assim, a  Paixão de Cristo. O canto da quaresma nos inspira e anima a assumir, com mais garra do que nunca, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. (...) Pela participação em seus sofrimentos, isto é, ‘obedientes ao Pai e comprometidos com os irmãos até o fim’ (cf. Jo 13,1), ‘cheguemos à glória da sua ressurreição’ (cf. Fl 3, 10-11)”.  Para ajudar nesta vivência, é aconselhável também que se evite na Quaresma o toque de instrumentos musicais. Também não cantamos o “glória” e o “aleluia”.

3.    Lembretes práticos para as equipes de liturgia e de celebração

  • O espaço litúrgico, despojado, sóbrio e “vazio” nos ajuda a esvaziar o coração para preenchê-lo com a Palavra, que é luz para nossos passos e que nos converte.
  • Momentos de silêncio, principalmente entre as leituras e após a homilia, são importantes.
  • Um sinal permanente no espaço litúrgico, como um tecido roxo em forma de faixa na mesa da Palavra ou como detalhe na mesa eucarística (sem “tampar” ou esconder o altar), ajudará na experiência quaresmal. Não colocar o cartaz da CF em frente ao altar ou ambão, mas num outro local, de preferência na entrada da igreja, bem visível para a comunidade.
  • A cruz, pela qual fomos marcados no Batismo, deve ser destacada. Ela lembra que somos discípulos e discípulas de Jesus, que superou o fracasso humano da cruz com um amor que vence a morte.
  • A comunidade pode fazer maior experiência da misericórdia de Deus através do sacramento da Reconciliação, de celebrações penitenciais e também de retiros.

4.    Semana Santa e Tríduo Pascal: a conclusão da quaresma

Existe um jeito, um lugar, um momento muito especial no qual aprenderemos a “viver a semana santa”. É o que nos aponta o saudoso Papa Paulo VI: “Se há uma liturgia que deveria encontrar-nos todos juntos, atentos, solícitos e unidos para uma participação plena, digna, piedosa e amorosa, esta é a liturgia da grande semana. Por um motivo claro e profundo: o Mistério Pascal, que encontra na Semana Santa a sua mais alta e comovida celebração, não é simplesmente um momento do Ano Litúrgico: ele é a fonte de todas as outras celebrações do próprio Ano Litúrgico, porque todas se referem ao mistério da nossa redenção, isto é, ao Mistério Pascal”.
“Viver a semana santa” significa fazermos memória destas ações maravilhosas de Deus. Mais, saber que estamos “re-vivendo” todos estes fatos. “De geração em geração, cada um de nós é obrigado a ver-se a si próprio, com os olhos penetrantes da fé, como tendo ele mesmo estado lá no Calvário, na primeira sexta-feira santa, e diante do sepulcro vazio, na manhã da ressurreição. Hoje, todos nós, aqui reunidos para celebrar a eucaristia, estávamos lá, prontos a morrer na morte de Cristo e a ressuscitar em sua ressurreição. Será exatamente nossa comunhão com o corpo sacramental do verdadeiro Cordeiro que nos tornará realmente presentes àquele eterno presente.”

Pe. Carlos Gustavo Haas

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